sábado, 17 de julho de 2010

Afinidade


A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos.
O mais independente.
Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido.

Afinidade é não haver tempo mediando a vida.
É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo sobre o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro.

Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.

Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavra.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado?
Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios?
Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar.
Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.

Só entra em relação rica e saudável com o outro, quem aceita para poder questionar.
Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar, não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é.
E, aceitando-o, aí sim, pode questionar, até duramente, se for o caso.

Isso é afinidade.
Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceita o outro como ele é.

Por isso, aliás, questiona.
Questionamento de afins, eis a (in)fluência
. Questionamento de não afins, eis a guerra.

A afinidade não precisa do amor.
Pode existir com ou sem ele.
Independente dele.
A quilômetros de distância.
Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.

Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar, por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos.
Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos, veremos ou falaremos.
Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem para buscar sintomas com pessoas distantes,com amigos a quem não vemos, com amores latentes, com irmãos do não vivido?
A afinidade é singular, discreta e independente, porque não precisa do tempo para existir.
Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu o vínculo da afinidade!

No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação exatamente do ponto em que parou. Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças, é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas, quanto das impossibilidades vividas.
Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou, sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida, para que a maturação comum pudesse se dar.

E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais, a expressão do outro sob a forma ampliada e refletida do eu individual aprimorado.


Arthur da Távola


Te amo Juniooor ♥
Te amo Militcha

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